O “nosso Porto” está a mudar.
É impressionante como cada vez que partilho um artigo ou notícia sobre a renovação da baixa portuense, se levantam vozes quer de indignação quer de defesa, mas sempre intensas.
Nasci no Porto, e para mim, sempre foi lindíssimo.
O melhor de Vila Nova de Gaia sempre foi a vista da Ribeira do Porto e do casario colorido.
Sempre adorei as escadarias, as ruas estreitas, a feira da Vandoma nas Fontainhas, as crianças a tomar banho no rio e o “falar alto”.
Mas ao longo dos anos, fui-me apercebendo que muitas vezes a vista era bonita de longe.
Havia ruas na baixa portuense nas quais tinha receio de passar. Ruas onde os cheiros eram tão fortes que faziam crescer o medo.
Ao longo dos anos, também percebi que muitos daqueles que verdadeiramente habitam (ou habitavam) na baixa portuense, vivem (viviam) em condições precárias. Em prédios sem condições, em espaços demasiado pequenos, em casas muitos frias e com infiltrações.
Já nesta minha atividade de consultora imobiliária, entrei várias vezes em prédios onde fiquei chocada com as condições quase desumanas onde portuenses viviam, dado o estado de degradação dos imóveis. Pessoas de idade, com pouca mobilidade, literalmente “presas” em cubículos, dada a falta de condições e acessibilidades.
Sejamos honestos, muitos de nós adoram a baixa e a Ribeira, porque as gentes são autênticas e simpáticas, porque as casas e as suas cores ficam lindíssimas quando bate o sol e reflete no rio, mas, para morar, a Ribeira não era opção!
Entretanto, o Porto foi ficando na moda, vieram os turistas e o fim da crise. E as velhas casas da Ribeira começaram a ter valor.
E veio a reconstrução, novas casas, mas, na maioria das vezes, para novos moradores.
E agora, com o Porto na moda, deixou de haver ruas com cheiros que trazem medo, deixou de haver vielas desertas e já há poucas casas onde não se queira morar.
O problema é que agora, a maioria dos portuenses não tem capacidade para as comprar.
E agora há quem diga, e grite, que estamos a “matar” o que de autêntico existia no Porto. Estamos a desertificar o centro e a entregar a Ribeira aos turistas.
E é verdade! É realmente verdade!
Mas qual será afinal a alternativa?
Vivemos numa economia de mercado, em que a propriedade é privada. Não é possível exigir à propriedade privada ação social!
Todos temos direito à habitação, mas fará sentido a ação social garantir habitação nas zonas que são hoje as mais caras da cidade?
Nasci no Porto … mas passei muitas vezes os fins de semana e férias de infância numa aldeia minhota onde viviam os meus avós.
Hoje, ao recordar esses dias vêm-me as lágrimas aos olhos. Tenho saudades!
Saudades dos meus avós (muitas!) mas de muito mais.
Saudades do cheiro a terra, saudades da água fria do riacho nos pés descalços, saudades das “viagens” nos carros de bois, saudades da entrega do leite acabado de tirar da vaca de madrugada.
Saudades de ir buscar os ovos quentes ao galinheiro, e da comichão que aparecia depois das corridas no meio do milho …
( Mas, o que tem tudo isto a ver com o Porto? )
Ao Domingo à tarde, na minha infância, voltava para casa. Deixava as paredes frias de pedra, os cobertores pesados e as estradas em terra batida.
Hoje, quando lá volto, já não encontro quase nada …
Estão lá muitas outras pessoas, as casas foram renovadas, estão agora aquecidas e confortáveis. Há estradas alcatroadas, telefones em todas as casas, telemóveis, internet e imensos carros, para além do único que existia há quarenta anos do vizinho que faziam o favor de levar os idosos à missa das 7 ao Domingo.
O que tive na infância desapareceu. Ficou apenas na minha memória. Mas a aldeia cresceu e as suas gentes ganharam, sem dúvida, o que chamamos qualidade de vida.
Foi provocação … ou evolução?