Porto anda nas bocas do Mundo há 200 anos

 

A Invicta está na moda, mas não é de agora. Pelo menos desde 1820 que guias e livros estrangeiros retratam o fascínio com que a cidade era vista por quem a visitava. Uma exposição faz agora essa análise retrospetiva. Em todas as obras ressalta uma característica: a alma das gentes

Já há muito se sabe que o Porto está na moda. E os milhares de turistas que chegam diariamente à Invicta mostram bem a forma como o Mundo olha, atualmente, para a cidade vibrante que tem no rio Douro o seu maior esplendor. Contudo, poucos saberão que esta é uma moda antiga, bem antiga. Aliás, sempre foi assim. Mesmo quando o advento da Internet ainda era uma miragem.

A verdade é que o Porto está nas bocas do Mundo desde 1820. Esse encanto e fascínios contínuos são, agora, atestados pela exposição “Porto sentido de fora”, que esteve aberta desde 08 até ao dia 23Set na Galeria Municipal do Porto, no Palácio de Cristal.

Com cerca de 300 obras e excertos publicados em várias línguas, a mostra revela como a cidade era vista nos séculos XIX e XX pelos autores dos livros e guias de viagens estrangeiros. Opiniões que foram recolhidas por Vasco Ribeiro, Elisa Cerveira, Emília Dias Costa e Ana Isabel Boura, docentes da Universidade do Porto. Depois de uma longa pesquisa, as conclusões estão à vista: há dois séculos, os estrangeiros já visitavam – “e muito” – a Invicta. E faziam questão de escrever sobre ela. Em inglês, espanhol, alemão ou italiano. Das paisagens, às casas, aos monumentos e aos costumes. Mas as obras versavam, sobretudo, sobre as pessoas. Que são, na verdade, a alma do Porto (ler destaques na barra cronológica em baixo).

“Em 1820, com a instauração da Monarquia Constitucional, começaram a surgir os primeiros guias de viagem, mas estavam longe de ser como aqueles que hoje conhecemos”, explica Elisa Cerveira, acrescentando que “o que havia eram uns livrinhos de viagem, que os estrangeiros escreviam para descrever os lugares que visitavam”. Foi “mais tarde”, no final do século XIX, que “os autores começaram a incluir indicações e a abordar aspetos mais práticos relativamente à sua estadia no Porto, fazendo os ditos guias de viagem, que até já incluíam dicas sobre os locais a visitar e mapas da cidade”, completa a professora, adiantando que “as frases escritas nessa altura” mostram bem algumas das principais mudanças”da Invicta.

“Os primeiros excertos falam de coisas muito rurais ainda, como os bois que eram, na altura, como relataram alguns autores, o motor do Porto”. Mais tarde, com o aparecimento do comboio e com os grandes navios, os guias começaram, também, a dar conta da modernização da cidade e das peripécias dos viajantes.

Em qualquer uma das épocas, os depoimentos dos estrangeiros tinham um denominador comum: falavam das pessoas e do “espírito de trabalho” que sempre foi uma das marcas da cidade. “A dimensão humana do Porto está sempre presente, quer nas frases, quer nas fotografias”, observa a professora Ana Isabel Boura, que salienta “a visão que os estrangeiros tinham” das mulheres da Invicta.

“Muitos autores falavam disso nos seus livros, porque ficavam admirados com o espírito de trabalho e de sacrifício das senhoras, que carregavam tudo à cabeça”, completa Vasco Ribeiro, apontando para as imagens em que apareciam as mulheres na Ribeira.

Da Monarquia Constitucional ao Estado Novo, a cidade manteve-se sempre nas bocas do Mundo. E era, muitas vezes, referida como a capital do Norte, tal era a capacidade de trabalho que levava o nome do Porto além-fronteiras. “O grande movimento diário surpreendia os visitantes, que escreviam, também, sobre o comércio”, explica Vasco Ribeiro.

Mas os dois séculos de história que deram o mote à exposição não são coisa do passado. É que, tal como agora, naquela altura as pontes sobre o Douro, a luz da Ribeira, as ruas estreitas e a beleza da Torre dos Clérigos já davam ao Porto “uma beleza própria”. Essa beleza que hoje continua a atrair viajantes de todo o Mundo. Por isso, quem, por estes dias, consultar os sites de viagens e fizer uma pesquisa pela cidade Invicta vai, certamente, encontrar relatos semelhantes aos dos autores que, de 1820 a 1974, escreveram nos seus livros de viagens sobre o que lá encontraram.

Atualmente, os monumentos do Centro Histórico do Porto “continuam a ser os pontos de interesse mais procurados pelos turistas”, como referiu Rui Pedro Gonçalves, diretor-executivo da Associação de Turismo do Porto e Norte, mas “o perfil do turista que visita hoje a cidade já não se satisfaz apenas por descobrir as zonas mais tradicionais”, completou. Segundo o representante da associação, o que hoje se verifica é que há, também, outros “circuitos de referência”, como é o caso do “trajeto entre o Passeio Alegre e o Castelo do Queijo, onde, para além da descoberta das praias, a paisagem e o património geológico estão bem patentes”. Além disso, a Associação de Turismo do Porto e Norte garante que “a zona oriental da cidade está a gerar interesse”, de tal modo que, considera o diretor-executivo, quando estiverem concluídas as “obras de reconversão do Matadouro”, será “um ponto de referência turística obrigatória”.

Numa cidade a que muitos gabam, sobretudo, o caráter da Invicta, todas as opiniões ganham ainda mais força quando a cidade conquista galardões como o de “Melhor destino europeu”, atribuído pelo site “European Best Destinations”, ou é mencionada nos jornais internacionais. Em julho, por exemplo, o britânico “The Guardian” destacou a Invicta e elegeu alguns dos melhores locais a visitar. E este tipo de distinções e publicações, que ocorrem na imprensa internacional, “quer nas revistas de especialidade, quer na imprensa generalista” são, para Rui Pedro Gonçalves, o que melhor “transmite a imagem que os estrangeiros têm do Porto”. Uma cidade que “consegue transmitir um equilíbrio entre a cultura e a movida, entre o património histórico e a arquitetura contemporânea, entre o pitoresco das tradições e a modernidade”, observou o diretor-executivo da associação. Para a Associação de Turismo do Porto e Norte, o setor do turismo “continua a ser um dos grandes motores da economia nacional”. E o aumento de 12% na procura dos postos de tursimo de janeiro a agosto deste ano “sustenta a tese de que os resultados que se vão alcançar em 2018 serão, certamente, os melhores das últimas décadas”, conclui o representante.

A exposição “O Porto sentido de fora” é o resultado do trabalho de Vasco Ribeiro, Ana Isabel Boura, Elisa Cerveira e Emília Dias da Costa, os quatro docentes da Universidade do Porto que fizeram “o longo trabalho de pesquisa” e a seleção das frases e das imagens que compõem a mostra.

Um trabalho que, para Vasco Ribeiro, tem um significado ainda mais especial. “A maior parte das obras que aqui se encontram fazem parte do meu espólio pessoal, que fui reunindo, também, nas minhas viagens”, conta o professor, lembrando “os livros que foram mais difíceis de conseguir”.

Hoje, ao olhar para o resultado final, os quatro curadores partilham o sentimento de missão cumprida: “Aquilo que aqui está exposto pode vir a ser a base de qualquer trabalho académico que fale sobre o Porto”, comenta Ana Boura que, tal como Emília Dias da Costa, elogia “a dimensão poética das imagens”.

Fonte: jn.pt

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